Como o Inventariante pode usar recursos do espólio no inventário extrajudicial: o que diz o § 2º do Art. 11 da Resolução 35 do CNJ.
Descubra como o inventariante pode utilizar recursos do espólio no inventário extrajudicial e quais são, de fato, as “despesas do inventário” autorizadas pela Resolução 35 do CNJ.
DIREITO PATRIMONIAL SUCESSÓRIO
Dr. Gabriel
10/17/20258 min read


Quando tratamos do inventário extrajudicial, a Resolução nº 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é o principal marco normativo que disciplina a atuação dos cartórios de notas e a forma de efetivação das escrituras públicas de inventário e partilha em todo o país.
Entre seus dispositivos, o artigo 11 ganhou especial relevância após as alterações promovidas por resoluções posteriores, ao consolidar a necessidade de nomeação de um inventariante com poderes de representação do espólio — inclusive sem a rigidez da ordem legal prevista no artigo 617 do Código de Processo Civil.
O § 2º desse artigo é particularmente significativo, pois estabelece que o inventariante poderá representar o espólio na busca de informações bancárias e fiscais necessárias à conclusão do inventário, bem como no levantamento de quantias para o pagamento das suas despesas.
E é justamente essa expressão — “para pagamento das suas despesas” — que suscita interpretações diversas e dúvidas práticas recorrentes. Afinal, quais despesas o CNJ pretendeu autorizar? Estaríamos diante apenas dos tributos e emolumentos obrigatórios, ou o dispositivo também abrange outras obrigações relacionadas à administração e conclusão do inventário?
Essas questões têm repercussão concreta no dia a dia dos tabeliães, advogados e herdeiros, pois delimitam o alcance dos poderes do inventariante extrajudicial e influenciam diretamente na gestão dos valores pertencentes ao espólio.
1. O imposto de transmissão causa mortis (ITCMD ou ITD)
Entre todas as despesas que envolvem um inventário, o imposto de transmissão causa mortis — conhecido como ITCMD (ou ITD, no Estado do Rio de Janeiro) — é, sem dúvida, o mais importante.
Esse tributo é cobrado pelos Estados sempre que há transferência de bens ou direitos em razão do falecimento ou doação. Em outras palavras, é o imposto que formaliza a passagem do patrimônio.
Sem o recolhimento do ITCMD, o processo simplesmente não avança: o cartório não pode lavrar a escritura pública de inventário e partilha, nem o Registro de Imóveis pode efetivar a transferência de titularidade. Ou seja, o pagamento do imposto é o que dá validade e segurança jurídica à sucessão.
Por isso, o §2º do artigo 11 da Resolução 35 do CNJ é tão importante. Ao autorizar o inventariante a levantar valores do espólio para “pagamento das suas despesas”, o CNJ reconhece que o ITCMD é uma despesa essencial à própria realização do inventário — não uma escolha, mas uma obrigação legal.
Na prática, isso permite que o inventariante, devidamente nomeado na escritura, utilize recursos que já pertencem ao espólio (como valores em contas bancárias do falecido) para quitar o imposto, sem depender de autorização judicial ou de contribuições antecipadas dos herdeiros.
Esse mecanismo traz celeridade e justiça ao procedimento, evitando que o inventário fique paralisado apenas por falta de liquidez imediata dos herdeiros. Afinal, o objetivo maior é permitir que a sucessão se conclua de forma regular, transparente e com o devido respeito às exigências fiscais.
2. Emolumentos notariais e registrais
Depois do imposto, vem uma despesa igualmente essencial para que o inventário extrajudicial tenha validade e produza efeitos concretos: os emolumentos notariais e registrais.
Esses valores correspondem às taxas cobradas pelos cartórios pela prática de atos oficiais, ou seja, é a remuneração legal pelos serviços prestados tanto pelo Tabelionato de Notas quanto pelos Registros de Imóveis e demais ofícios envolvidos.
No inventário, os emolumentos aparecem em diferentes momentos. Primeiro, no cartório de notas, onde é lavrada a escritura pública de inventário e partilha. Esse documento é o coração do procedimento: é nele que se formaliza quem herda o quê, com toda a segurança e fé pública notarial.
Depois, vêm os custos de registro — cada bem transmitido precisa ser devidamente averbado ou registrado no órgão competente, para que a transferência produza efeitos perante terceiros.
Isso inclui:
Registros imobiliários, para atualizar a matrícula dos imóveis com o nome dos novos proprietários;
Averbações de ônus reais ou direitos, quando há hipotecas, usufrutos ou outras restrições a declarar;
Registros de títulos e documentos, nos casos de cessão de quotas ou bens móveis que exijam publicidade formal.
Esses atos registrários são muito mais do que uma formalidade burocrática. Eles são a garantia da segurança jurídica da sucessão — o que era “do falecido” passa, de fato e de direito, a ser “dos herdeiros”.
Sem esses registros, a partilha fica incompleta. A escritura existe, mas não tem eficácia real, pois o bem ainda aparece no nome do autor da herança. É como se o inventário tivesse parado no meio do caminho.
Por isso, os emolumentos são considerados despesas legítimas e indispensáveis do inventário, permitindo que a sucessão seja reconhecida não apenas no papel, mas também no mundo jurídico e registral.
Em síntese, pagar os emolumentos é dar vida prática à partilha, garantindo que cada herdeiro receba o que lhe cabe com plena segurança e legitimidade.
3. Despesas administrativas e operacionais
Entre todas as etapas do inventário extrajudicial, há um conjunto de pequenas despesas que, embora muitas vezes passem despercebidas, são fundamentais para que o processo aconteça de forma organizada e segura. São as chamadas despesas administrativas e operacionais.
Esses custos surgem desde o início do procedimento, quando é preciso reunir toda a documentação necessária para comprovar a titularidade dos bens e a regularidade fiscal do espólio.
Envolvem a emissão de certidões municipais, estaduais e federais, tanto para pessoas físicas (herdeiros e autor da herança) quanto para os imóveis e empresas envolvidos. Essas certidões são indispensáveis para demonstrar que não há débitos ou pendências tributárias que impeçam a partilha.
Somam-se a isso as taxas de autenticação de documentos, os custos de cópias e digitalizações, e as diligências externas — muitas vezes é necessário comparecer a órgãos públicos, bancos, cartórios ou repartições para obter informações ou atualizações cadastrais.
Há ainda os honorários de despachantes e intermediários que auxiliam na coleta de certidões, bem como custos de correspondência e comunicação, especialmente quando os herdeiros residem em cidades ou estados diferentes.
Embora isoladamente pareçam valores modestos, essas pequenas despesas garantem a engrenagem do inventário. São elas que permitem manter a documentação em dia, evitar exigências cartorárias e assegurar que a escritura seja lavrada sem atrasos ou riscos de nulidade.
Em última análise, as despesas administrativas representam o cuidado e a seriedade com que o inventário é conduzido. Quando bem geridas, elas refletem a preocupação do inventariante e do advogado em entregar um procedimento limpo, regular e juridicamente seguro, honrando tanto o patrimônio do falecido quanto a tranquilidade dos herdeiros.
4. Encargos financeiros e juros incidentes
Nem sempre o falecimento ocorre com todas as contas em ordem. Em muitos inventários, o espólio — ou seja, o conjunto de bens, direitos e obrigações deixados pelo falecido — herda também algumas pendências financeiras. São dívidas, contratos em andamento, impostos atrasados ou contas de consumo que, embora secundárias à herança, precisam ser regularizadas para que a partilha se conclua com segurança.
Esses valores em aberto costumam gerar encargos financeiros, como juros, multas e correção monetária, que continuam a correr mesmo após o falecimento. Se não forem pagos, podem comprometer o patrimônio herdado, gerar inscrições em dívida ativa ou impedir o registro de determinados bens.
É justamente nesses casos que a Resolução 35 do CNJ, em seu art. 11, §2º, ganha especial relevância. O dispositivo autoriza o inventariante a levantar valores do espólio — por exemplo, recursos depositados em contas bancárias do falecido — para quitar despesas essenciais à conclusão do inventário, o que inclui o pagamento de encargos legítimos e necessários.
Na prática, isso significa que o inventariante pode, de forma transparente e documentada, usar os próprios recursos do espólio para evitar a deterioração do acervo patrimonial, quitando obrigações que, se deixadas em aberto, poderiam prejudicar os herdeiros.
Imagine, por exemplo, um imóvel financiado com parcelas em atraso, um IPTU pendente, ou taxas condominiais não pagas. A quitação dessas obrigações evita a incidência de juros maiores, restrições de crédito do espólio e até a perda do bem em execução.
Esses pagamentos, portanto, não configuram benefício pessoal do inventariante, mas sim atos de administração prudente, voltados à preservação do patrimônio herdado e à continuidade regular do inventário.
Em outras palavras, ao autorizar o pagamento desses encargos, a norma reconhece que o dever de administrar o espólio inclui o cuidado de manter seu patrimônio íntegro e livre de passivos.
É um gesto de responsabilidade — e também de respeito à memória do falecido e à confiança dos herdeiros, que esperam receber um legado sem pendências e com segurança jurídica.
5. Honorários advocatícios e profissionais auxiliares
Por fim, há um tema que costuma gerar discussões e diferentes interpretações práticas: a possibilidade de considerar os honorários advocatícios e, em alguns casos, as remunerações de profissionais auxiliares, como parte das “despesas do inventário”.
O inventário extrajudicial, ainda que simplificado, exige a presença obrigatória de advogado (art. 610, §2º, do CPC). É ele quem orienta juridicamente os herdeiros, conduz as tratativas, organiza os documentos e assegura que a escritura seja lavrada com segurança jurídica e em conformidade com a legislação.
Sem essa assessoria técnica, o procedimento sequer pode ser realizado.
Por esse motivo, há quem defenda que os honorários advocatícios integram as despesas essenciais do inventário, já que são indispensáveis para sua execução. Esse entendimento, contudo, não é absoluto.
O CNJ, ao redigir o §2º do art. 11 da Resolução 35, não mencionou expressamente os honorários dentro das “despesas do inventário”, o que abre espaço para interpretações distintas entre os cartórios e a doutrina notarial.
Na prática, o que prevalece é o bom senso e a transparência:
Se houver consenso entre os herdeiros e previsão expressa na escritura (ou em documento apartado), o pagamento dos honorários com recursos do espólio pode ser autorizado;
Caso contrário, recomenda-se que cada herdeiro arque com sua parte proporcional ou que o pagamento seja feito com recursos pessoais, evitando questionamentos futuros.
Em alguns inventários, há ainda o envolvimento de outros profissionais auxiliares — como despachantes, contadores ou avaliadores — que prestam serviços técnicos indispensáveis. Nesses casos, o raciocínio é o mesmo: se a despesa é necessária e acordada entre as partes, pode ser custeada pelo espólio, desde que tudo seja devidamente comprovado e registrado na escritura.
O ponto central é garantir transparência e prestação de contas. O inventariante, ao manejar valores do espólio, atua como gestor temporário de bens alheios, por isso, deve agir com cautela e registrar todas as movimentações de forma clara e documentada.
Assim, mais do que discutir se os honorários podem ou não ser pagos pelo espólio, o que realmente importa é que qualquer despesa relacionada ao inventário seja tratada com clareza, consenso e boa-fé, respeitando sempre o interesse coletivo dos herdeiros e a integridade do patrimônio deixado.
Em síntese: o advogado é peça essencial do inventário, mas a remuneração de seu trabalho deve ser tratada com a mesma prudência e transparência que se espera de qualquer ato de gestão do espólio.
Conclusão: administrar o espólio é um ato de responsabilidade e respeito
O §2º do artigo 11 da Resolução 35 do CNJ, ao permitir que o inventariante utilize recursos do espólio para o pagamento de suas despesas, não concede um poder pessoal, mas sim atribui um dever de gestão responsável. É uma forma de viabilizar o inventário extrajudicial com autonomia, agilidade e segurança, sem depender de autorizações judiciais para cada ato necessário.
Compreender o que se enquadra como “despesa do inventário” é essencial para evitar abusos, conflitos familiares e interpretações equivocadas.
Essas despesas — como vimos — abrangem obrigações fiscais, custas notariais, registros, encargos financeiros, despesas administrativas e, quando houver consenso, honorários profissionais. Todas elas convergem para um mesmo propósito: permitir que o inventário se conclua de forma regular, transparente e juridicamente eficaz.
No fundo, mais do que números e documentos, o inventário lida com histórias, vínculos e memórias. Cada decisão do inventariante carrega um duplo compromisso: com a legalidade e com o respeito à vontade e ao legado do falecido.
Agir com prudência, transparência e boa-fé é o que transforma um procedimento burocrático em um ato de responsabilidade e humanidade — valores que o Direito das Sucessões, em sua essência, sempre busca preservar.
Dr. Gabriel Azevedo
Gestão e Registro de Marcas e Patentes.
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