O Consumidor Digital Está Sozinho: Por que o Direito Ainda Não Enxerga o Novo Mercado de Serviços Online
A explosão da informalidade no WhatsApp e nas redes sociais criou um ambiente onde contratar é fácil, mas responsabilizar é quase impossível.
CONSUMIDOR
Dr. Gabriel Azevedo
12/5/202513 min read


O novo problema invisível do consumo digital
Nos últimos anos, o modo como consumimos mudou de forma silenciosa, mas profunda. Aquilo que antes dependia de uma loja física, um balcão, um CNPJ visível e um contrato assinado, hoje acontece em poucos minutos pelo WhatsApp, pelo Instagram ou por um link enviado por alguém em um grupo de bairro.
Serviços que, no passado, exigiam credibilidade presencial, agora são contratados com um clique, sem contrato, sem garantia, sem endereço fixo e, muitas vezes, sem sequer sabermos o nome completo de quem está do outro lado.
A economia digital abriu portas. Facilitou. Acelerou. Mas trouxe um problema que ainda não sabemos resolver bem: quando algo dá errado, onde está o responsável? Quem é essa pessoa? Como encontrá-la? Estamos vivendo um paradoxo. Nunca foi tão fácil contratar. E nunca foi tão difícil responsabilizar.
A informalidade saiu da esquina e ganhou a tela do celular. Cresceu mais rápido do que a lei, que os tribunais, do que os órgãos de defesa do consumidor. Criou um novo território, um verdadeiro faroeste digital, onde a prestação de serviço é imediata, mas a responsabilização é, muitas vezes, impossível.
E é nesse ponto que surge a grande pergunta contemporânea do Direito do Consumidor:
Como proteger o consumidor quando o prestador não deixa rastros?
A discussão existe, é atual e está tomando corpo entre juristas, plataformas digitais e órgãos reguladores. Mas enquanto o debate amadurece, o consumidor continua em posição vulnerável, perdido entre um número de WhatsApp, um PIX e um prestador que pode desaparecer tão rápido quanto apareceu.
Este texto nasce para refletir exatamente sobre isso: um problema "novo", real e urgente, que ainda não tem solução pronta, mas que precisa ser entendido para ser enfrentado.
1. Por que a informalidade digital explodiu?
A informalidade sempre existiu no Brasil — do pintor que trabalha “por fora” ao conserto feito no improviso. A novidade não é o serviço informal. A novidade é a escala. A internet deu a esse velho fenômeno uma plataforma global.
Hoje, qualquer pessoa com um celular e uma conta no WhatsApp pode anunciar serviços, captar clientes, receber pagamentos via PIX e desaparecer com a mesma rapidez com que apareceu. Não há custo, não há barreira de entrada, não há fiscalização. E, principalmente: não há risco.
O que antes exigia: um ponto comercial; um cartão de visita; um mínimo de reputação; a presença no bairro,
Agora exige apenas: um número de telefone; um perfil no Instagram, e uma chave PIX.
As plataformas digitais — sem querer ou não — se tornaram vitrines gigantes para prestadores que não possuem CNPJ, endereço fixo, contrato ou qualquer tipo de estrutura formal. E como o consumidor se acostumou a resolver tudo pelo celular, o informal ganhou um terreno sem concorrência: o da conveniência absoluta. É o triunfo do “faço agora”, “passo aí”, “Pix adiantado garante”, “não precisa contrato”. Mas por que essa informalidade cresceu tão rápido?
Para quem presta o serviço, basta um celular.
Para quem contrata, basta uma mensagem.
Porque é rápido
A lógica do digital cultiva a ansiedade pela solução imediata. A formalidade demora. A informalidade entrega na hora.
Porque as plataformas incentivam o fluxo — não a segurança
O objetivo é conectar pessoas. Não conferir credenciais.
Porque o PIX simplificou o pagamento
O dinheiro vai de uma conta para outra em segundos. E muitas vezes sem retorno.
Porque o Estado não acompanhou a revolução digital
Não há legislação específica, nem sistema eficaz para garantir rastreamento, identificação ou responsabilização. Resultado? Uma explosão de serviços digitais informais que facilitam a vida do consumidor no curto prazo, mas criam um ambiente perigoso quando algo dá errado.
Estamos, de fato, vivendo o auge de uma economia que é rápida, prática e eficiente — até o momento em que deixa de ser.
2.Por que a lei ainda não alcança esse fenômeno?
Quando se fala em relações de consumo, a legislação brasileira — especialmente o CDC — é considerada moderna e protetiva. Porém, ela foi construída em um mundo que não existe mais.
O CDC nasceu em 1990, quando: a compra era presencial; o fornecedor tinha endereço fixo; o consumidor conhecia a empresa; contratos eram físicos; pagamentos dependiam de caixa ou cartão. Nada disso reflete a realidade atual.
Hoje, vivemos um ambiente onde qualquer pessoa pode se tornar fornecedor instantaneamente, sem deixar quase nenhum rastro. O Direito simplesmente não foi criado para lidar com fornecedores sem rosto.
Há quatro razões principais para essa desconexão entre o mundo digital e a legislação:
I. A lei presume que o fornecedor tem estrutura formal, e isso não é mais verdade
O CDC parte de uma premissa básica: existe um fornecedor identificável, com endereço e meios de contato.
No consumo digital informal: não há sede, não há CNPJ, não há contrato, não há nota fiscal, não há histórico ou reputação, não há sequer nome completo, às vezes.
A lei foi feita para combater abusos de fornecedores formais. Hoje, os abusos vêm de quem não tem forma nenhuma.
II. O Judiciário depende de "identidade mínima" — e o informal digital não fornece essa identidade
Para que um juiz determine algo, é preciso: nome completo, CPF/CNPJ, endereço, entre outros
Mas no digital informal, muitas vezes só se tem: um número de WhatsApp, um PIX, um @ no Instagram ou tik tok.
Isso cria uma barreira óbvia: como responsabilizar alguém que você não consegue localizar?
O Judiciário até consegue quebrar sigilos, pedir informações a operadoras, plataformas e bancos, mas isso exige processos longos, caros, lentos e incompatíveis com o volume de casos.
A estrutura judicial atual não foi feita para rastrear informalidade digital em massa.
III. O Estado não regula as plataformas — e elas não se responsabilizam por nada
As plataformas (WhatsApp, Instagram, OLX, TikTok, Mercado Livre) se comportam como meras vitrines.
Elas dizem: “Só conectamos pessoas. Não somos responsáveis pelo que elas fazem.”
Tecnicamente, elas lucram com a circulação de anúncios e conexões, mas juridicamente se esquivam da responsabilização.
Essa lacuna cria um universo onde: milhares de pessoas oferecem serviços sem qualquer cadastro, consumidores contratam sem qualquer filtro, e as plataformas se blindam pela ausência de regulação.
No fim, quem fica exposto é sempre o consumidor.
IV. O fenômeno é novo, rápido e muito maior do que o sistema consegue absorver
O crescimento da informalidade digital foi exponencial: pandemia acelerou tudo, PIX facilitou pagamentos instantâneos, redes sociais se tornaram canais de venda, o consumidor adotou o “contrato por WhatsApp”.
O resultado é que o problema se tornou: novo, gigantesco, transversal, difícil de mapear.
E a lei, que deveria acompanhar a sociedade, ficou para trás A verdade é que o Direito do Consumidor vive hoje sua maior crise desde 1990.
E não é apenas porque a lei não funciona, é porque o mundo mudou de um jeito que o legislador jamais previu.
O efeito prático disso tudo?
Consumidores sem proteção. Prestadores sem responsabilidade. Plataformas sem obrigações.
E o Judiciário correndo atrás de algo que se movimenta mais rápido do que ele consegue acompanhar.
Estamos diante de uma realidade onde o consumo é digital, a responsabilidade é analógica, e o consumidor está no meio do caminho.
3. Como encontrar e responsabilizar um prestador informal digital?
Responsabilizar um prestador informal que atua exclusivamente por WhatsApp, Instagram ou PIX se tornou um dos maiores desafios contemporâneos do Direito do Consumidor. Não existe fórmula mágica nem solução pronta, mas há um conjunto de ferramentas jurídicas e tecnológicas que, quando utilizadas de forma articulada, aumentam significativamente as chances de localização e responsabilização.
O problema é que muitas dessas medidas não cabem no rito do Juizado Especial, o que limita a atuação do consumidor e, muitas vezes, o força a migrar para um processo mais caro, demorado e complexo. E esse ponto, como veremos, é central para entender por que o sistema não funciona bem nesse novo ambiente.
O rastreamento mínimo costuma começar pelos vestígios digitais deixados na contratação. O PIX, por exemplo, tornou-se o principal ponto de identificação do prestador, porque a chave necessariamente revela o nome completo do recebedor, seu CPF ou CNPJ e a instituição financeira. É, hoje, a forma mais eficiente de descobrir quem está por trás da prestação de serviço. O WhatsApp também oferece indícios importantes: o nome cadastrado, a foto, grupos em comum, links e até marcas de atividade.
Com ordem judicial, seria possível obter dados cadastrais diretamente da Meta, mas essa possibilidade simplesmente não existe dentro dos limites do Juizado Especial. Da mesma forma, as redes sociais fornecem pistas relevantes: fotos de trabalhos anteriores, nomes atribuídos à “empresa”, depoimentos de clientes, telefones vinculados e até localização aproximada.
Quando existe intermediação por plataformas, OLX, iFood, Uber, 99Freelas, GetNinjas, entre outras, abre-se a porta para pleitear identificação do prestador, responsabilidade solidária e acesso a dados cadastrais.
Porém, e aqui está o obstáculo que poucos consumidores conhecem: o Juizado Especial Cível não admite pedidos complexos de quebra de sigilo, nem ofícios a plataformas internacionais, nem medidas que dependam de cooperação com empresas como Meta, Google, Apple, Uber ou iFood, tampouco comporta perícia digital ou incidentes probatórios sofisticados. Isso significa que muitos processos envolvendo prestadores informais não podem ser resolvidos no JEC, justamente porque as medidas necessárias à investigação não estão permitidas nesse rito.
Essa limitação cria um paradoxo cruel: no Juizado, o processo é rápido, acessível e sem custas, mas insuficiente. No procedimento comum, há todas as ferramentas necessárias, mas custa caro, exige advogado, demora anos e nem sempre compensa economicamente. O consumidor, portanto, se vê encurralado entre uma via ágil porém impotente, e uma via completa porém impraticável para a maioria das pessoas. Esse vácuo procedimental é uma das principais razões pelas quais a responsabilização do prestador digital se tornou tão difícil.
Ainda assim, alguns caminhos funcionam na prática. A ação contra o titular do PIX continua sendo a estratégia mais direta, já que esse é o dado mais confiável disponível. Em certos casos, também é possível responsabilizar a plataforma, sobretudo quando sua atuação ultrapassa a mera intermediação passiva, tese ainda em evolução, mas crescente nos tribunais.
A Teoria da Aparência é outra ferramenta valiosa: se o perfil ou número transmite ao consumidor a imagem de uma empresa, responde como empresa, mesmo sem CNPJ. Além disso, a inversão do ônus da prova protege o consumidor quando o prestador simplesmente desaparece. E, quando não é possível identificar completamente o responsável, ainda é viável pleitear indenização por perda de chance ou abuso de confiança, desde que haja elementos mínimos que provem a contratação e o prejuízo.
A verdade incômoda é que o problema não é jurídico, é estrutural. Nós, operadores do Direito, conseguimos provar a contratação, o defeito, o prejuízo e até a má-fé. O que não conseguimos, na maioria dos casos, é localizar o prestador, e o sistema processual não oferece, no rito rápido e acessível, as ferramentas para isso. O consumidor fica preso entre um processo que não permite investigar e outro que permite, mas é caro e lento. Essa é a grande falha do Direito do Consumidor contemporâneo: ele foi criado para um mundo em que o fornecedor era visível. Agora, o fornecedor é um número de WhatsApp. E o sistema não sabe o que fazer com isso.
Esse cenário deixa clara a necessidade urgente de modernização legislativa e de redefinição das responsabilidades das plataformas digitais, sob pena de o consumidor continuar desprotegido num ambiente cada vez mais complexo, veloz e invisível para o Direito.
4. O que deveria mudar no Brasil?
(Propostas concretas para proteger o consumidor no ambiente digital)
Se quisermos ser honestos, não basta reconhecer que existe um problema. O sistema, como está, falha com o consumidor todos os dias, e essa falha não decorre de detalhes técnicos, mas do próprio desenho jurídico que ainda funciona como se a economia fosse analógica.
A informalidade digital, potencializada pelas redes sociais e pelo PIX, criou um cenário completamente novo: milhões de consumidores contratando serviços em segundos, sem qualquer rastro, enquanto o Direito permanece preso ao modelo tradicional de fornecedor com endereço, CNPJ e tempo de resposta razoável. Se o Direito do Consumidor quiser continuar relevante, ele precisa encarar essa mudança de frente.
Nesse contexto, as propostas que surgem não são utopias legislativas, mas ajustes estruturais possíveis, compatíveis com a realidade brasileira e necessários para restaurar algum equilíbrio nessa relação.
A primeira mudança essencial é estabelecer uma identidade digital mínima para quem presta serviços pela internet. Hoje, qualquer pessoa pode vender serviços sem fornecer praticamente nenhum dado verificável, às vezes nem o nome completo aparece. Isso é insustentável sob a ótica de proteção do consumidor. Seria necessário exigir, por lei, que prestadores que anunciam publicamente vinculem seu perfil a um CPF ou CNPJ verificado, exibam nome completo ou razão social e mantenham ao menos um canal estável de contato. Não se trata de burocratizar o pequeno trabalhador, mas de garantir o mínimo de rastreabilidade para evitar que o consumidor continue contratando “fantasmas digitais”.
A segunda mudança envolve reconhecer o papel das plataformas digitais dentro da cadeia de consumo. Redes sociais, aplicativos e marketplaces não são meras vitrines inocentes: elas monetizam o tráfego, influenciam decisões, promovem perfis e impulsionam anúncios. Quando a plataforma organiza, facilita e lucra com a interação, ela faz parte da cadeia de fornecimento. E, em certos casos, deve responder solidariamente pelos danos. Isso exige que plataformas tenham dever de cuidado, filtrem anunciantes reincidentes, verifiquem informações mínimas e não se escondam atrás da narrativa de neutralidade. Esse ajuste pode vir por alteração legislativa, regulamentação específica ou mesmo evolução jurisprudencial, o importante é abandonar a ficção jurídica segundo a qual quem lucra não tem responsabilidade.
A terceira mudança é, possivelmente, a mais urgente: reformular o Juizado Especial para o mundo digital. O JEC, concebido para facilitar o acesso do consumidor, hoje se mostra incapaz de lidar com o consumo pela internet. Ele não admite pedidos de quebra de sigilo, não tem estrutura para oficiar Meta, Google, Uber, iFood ou bancos digitais, nem comporta incidentes probatórios complexos como perícia digital ou cruzamento de informações. O resultado é perverso: o consumidor pobre, que deveria estar protegido pelo rito mais simples, não consegue acessar as ferramentas necessárias para identificar o prestador. Uma alternativa seria criar um “Juizado Especial Digital”, com regras específicas para pedidos de informações a plataformas, protocolos de cooperação técnica e prioridade para fraudes pela internet. Outra seria autorizar expressamente, no JEC, pedidos de identificação de titulares de PIX e perfis comerciais. Enquanto o Juizado continuar preso ao paradigma analógico, o consumidor digital permanecerá como consumidor de segunda classe.
A quarta mudança envolve aprimorar a rastreabilidade do PIX. O PIX revolucionou os pagamentos, mas criou um vácuo de responsabilidade quando o dinheiro vai parar na conta de um prestador informal ou golpista. É indispensável estabelecer protocolos entre Judiciário, Banco Central e instituições financeiras para agilizar a identificação do titular da conta, padronizar respostas em processos judiciais e bloquear contas suspeitas em caso de atuação fraudulenta reiterada. Não é enfraquecer o PIX — é torná-lo compatível com um ambiente de consumo seguro.
A quinta mudança diz respeito ao comportamento do próprio consumidor. Há um componente educacional incontornável: enquanto as pessoas continuarem pagando adiantado via PIX a desconhecidos, contratando serviços sem comprovante e acreditando em ofertas milagrosas, qualquer proteção jurídica será insuficiente. É necessária uma política de educação digital que ensine o básico: verificar identidade, guardar prints, desconfiar de preços irreais, documentar contratações e entender a diferença entre uma empresa formal e um prestador eventual.
Por fim, é preciso lembrar que muitos prestadores informais não são golpistas; são trabalhadores tentando sobreviver. Por isso, a sexta mudança seria incentivar a formalização digital simplificada. Criar selos, vantagens fiscais, prioridade em plataformas e facilidades de crédito tornaria a formalização um caminho natural, e não um obstáculo. Isso fortalece o prestador sério, facilita a fiscalização e cria um ambiente de consumo mais saudável.
No centro de tudo isso está uma constatação simples: o consumidor não pode enfrentar sozinho o ecossistema digital. Diante de plataformas bilionárias, algoritmos que filtram o que ele vê e prestadores sem rosto, tratá-lo como se estivesse negociando com um fornecedor individual é uma ficção perigosa. A lei precisa assumir expressamente que quem organiza, monetiza e lucra com o mercado digital também deve responder pelos seus riscos. Sem essa mudança de visão, continuaremos em um cenário onde a velocidade é privilegiada, mas a justiça, não.
O consumidor digital está desprotegido. Fingir que não está só agrava o problema.
Chegamos a um momento decisivo. O mundo mudou, a forma de consumir mudou, a informalidade ganhou novas roupagens, os golpes se sofisticaram, mas o Direito continua tentando regular 2025 com ferramentas que pertencem a 1990. É quase como querer resolver crimes digitais utilizando um Código Morse: a intenção pode até ser boa, mas a linguagem não conversa com a realidade.
E por mais desconfortável que seja admitir, precisamos dizer com clareza: o consumidor digital está desamparado. O sistema jurídico não foi desenhado para encontrá-lo, protegê-lo ou reparar seus danos nesse novo ambiente. E as plataformas que organizam e alimentam esse mercado não assumem, na prática, nenhuma responsabilidade proporcional ao poder e ao lucro que possuem.
O resultado é um terreno fértil para abusos, desaparecimentos de prestadores e frustrações repetidas, onde o consumidor vive preso entre duas extremidades contraditórias: a facilidade quase absurda de contratar e a dificuldade quase absoluta de responsabilizar. Nunca foi tão simples comprar. E nunca foi tão difícil reclamar. Essa contradição explica por que tantos consumidores se sentem enganados e por que o Direito do Consumidor corre hoje o risco de se tornar um conjunto de belas promessas, mas de pouca utilidade no dia a dia.
Ao longo deste artigo, vimos que a informalidade digital cresce porque é rápida, barata e invisível; que a lei ainda funciona sob a lógica da loja física; que o Judiciário não tem meios ágeis para localizar prestadores que só existem como um número de WhatsApp; que o Juizado Especial, a porta de entrada do cidadão comum, não comporta os pedidos técnicos necessários para identificar quem está do outro lado da tela; que o PIX, apesar de útil, não basta; que plataformas lucram com anúncios sem assumir deveres; e que o próprio conceito de fornecedor precisa ser repensado com urgência.
Diante disso, qual é o papel do advogado? A resposta é: central. O advogado contemporâneo precisa ir além da leitura da lei. Deve ser um investigador digital, alguém capaz de interpretar algoritmos, mapear perfis, rastrear dados e defender um consumidor que, sozinho, não tem qualquer chance real de se proteger. A advocacia que surge daqui não é a do passado, é a reconstrução do Direito do Consumidor para um ambiente que funciona em lógica própria, veloz, invisível e altamente assimétrica.
O mercado jurídico do futuro não estará apenas nas grandes ações coletivas, mas nas milhares de pequenas relações digitais que dão errado todos os dias: serviços informais, anúncios enganosos, perfis falsos, vendedores itinerantes, prestadores sem endereço. É um campo novo, crescente e inevitável.
E o que o Brasil precisa fazer? Criar leis específicas para o fornecedor digital informal, responsabilizar plataformas que organizam o mercado, estabelecer mecanismos simples de rastreabilidade, desenvolver um Juizado Especial Digital, criar protocolos rápidos de identificação de titulares de PIX, educar o consumidor e oferecer incentivos reais para que pequenos prestadores se formalizem. Sem essas mudanças, seguiremos num ambiente onde a informalidade cresce mais rápido do que a proteção — e onde o consumidor continua sendo a parte mais fraca da equação.
Em última análise, o ponto é simples: o consumo mudou. O mundo mudou. E o Direito precisa mudar também. Não adianta termos normas modernas se elas não alcançam justamente quem mais depende delas: o consumidor que contrata pela palma da mão e que, quando é enganado, descobre que não tem para onde correr.
Dr. Gabriel Azevedo
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